O governo de Jair Bolsonaro
enviou telegrama à ONU (Organização das Nações Unidas) afirmando que “não
houve golpe de Estado” em 31 de março de 1964 e que os 21 anos de governos
militares foram necessários “para afastar a crescente ameaça de uma tomada
comunista do Brasil e garantir a preservação das instituições nacionais, no
contexto da Guerra Fria”.
O governo afirma que “os
anos 1960-70 foram um período de intensa mobilização de organizações
terroristas de esquerda no Brasil e em toda a América Latina” e que o
golpe contou com o apoio da “maioria da população”.
A BBC News Brasil teve acesso
ao conteúdo integral do telegrama confidencial enviado pelo Itamaraty nesta
quarta-feira a Fabian Salvioli, relator especial da ONU sobre Promoção da
Verdade, Justiça, Reparação e Garantias de Não Repetição. O conteúdo do texto
foi confirmado por membros do governo Bolsonaro e fontes que atuam dentro das
Nações Unidas.
O texto é uma resposta a
críticas feitas pelo relator Salvioli na última sexta-feira aos planos do
governo de celebração do 31 de março, então classificadas como “imorais e
inadmissíveis”.
Na oportunidade, o argentino
afirmou em comunicado que “tentativas de revisar a história e justificar
ou relevar graves violações de direitos humanos do passado devem ser claramente
rejeitadas por todas as autoridades e pela sociedade como um todo”.
“Comemorar o aniversário
de um regime que trouxe tamanho sofrimento à população brasileira é imoral e
inadmissível em uma sociedade baseada no Estado de Direito. As autoridades têm
a obrigação de garantir que tais crimes horrendos nunca sejam esquecidos,
distorcidos ou deixados impunes”, escreveu Salvioli.
Em sua resposta, o governo
brasileiro subiu o tom e classificou as críticas como “sem
fundamento”. Também disse à autoridade das Nações Unidas que ele
“deve respeitar os processos nacionais e procedimentos internos em suas
deliberações”.
Disputa judicial
Segundo o telegrama do
Itamaraty, o “governo defende o direito à liberdade de expressão e de
pensamento e saúda o debate público sobre os eventos ocorridos no período
1964-1985 no Brasil”.
“Neste contexto, o
presidente Bolsonaro está convencido da importância de colocar em perspectiva a
data de 31 de março de 1964”, continua o texto.
“O presidente reafirmou
em várias ocasiões que não houve um golpe de Estado, mas um movimento político
legítimo que contou com o apoio do Congresso e do Judiciário, bem como a
maioria da população. As principais agências de notícias nacionais da época
pediram uma intervenção militar para enfrentar a ameaça crescente da agitação
comunista no país.”
Segundo a gestão Bolsonaro, a
decisão de instruir as Forças Armadas brasileiras a lembrar a data de 31 de
março de 1964 “foi tomada com pleno respeito à lei nacional, incluindo a
Constituição Federal”.
O governo também destaca que a
instrução para a comemoração do golpe foi confirmada pelo Poder Judiciário em
30 de março, “quando o Tribunal Regional Federal declarou que a decisão do
presidente é compatível com as prerrogativas de seu alto cargo, respeita a
legislação nacional e não viola as obrigações de direitos humanos, de acordo
com o direito internacional”.
Horas após o comunicado
enviado pelo relator da ONU, no último dia 29, uma juíza federal de Brasília
atendeu a um pedido da Defensoria Pública da União e proibiu que o governo
realizasse eventos relacionados aos 55 anos do golpe militar.
Na decisão, a juíza Ivani
Silva da Luz argumentava que a proibição pretendia “a não repetição de
violações contra a integridade da humanidade, preservando a geração presente e
as futuras do retrocesso a Estados de exceção”.
No dia seguinte, um sábado, a
desembargadora Maria do Carmo Cardoso, do Tribunal Regional Federal da 1ª
Região (TRF-1), revogou a liminar e liberou comemorações, argumentando que
“tendo em vista que existem eventos agendados para amanhã e domingo, dado
o tamanho do Brasil e capilaridade das Forças Armadas, algumas unidades estão
devidamente preparadas para a realização das cerimônias, as decisões recorridas
colocam em risco gravemente a organização da administração, devendo a suspensão
das mesmas ser imediata”.
No comunicado enviado nesta quarta à ONU, o governo brasileiro ressaltou seu “compromisso com a democracia, o estado de direito e a proteção dos direitos humanos e liberdades fundamentais” e ressaltou que “atos semelhantes (as comemorações do 31 de março neste ano) foram realizados por unidades militares em anos anteriores, sem qualquer efeito deletério ao corpo político brasileiro”.
(Fonte: BBC)